Vem do cérebro a
capacidade incomum de identificar notas musicais. Qualquer
música provavelmente soa diferente aos ouvidos de cada um. Se você
sentar ao piano e tocar para dez mil pessoas uma canção comum como
Parabéns pra você, umas oito mil devem ser capazes de
detectar notas desafinadas na melodia. Se você anunciar qual foi a
primeira nota da melodia, boa parte das pessoas que tiverem estudado
música deverá ser capaz de dizer os nomes das notas seguintes. Mas
provavelmente apenas uma pessoa daquelas dez mil será capaz
de identificar todas as notas no piano sem que você dê
a dica de qual foi a primeira.
"Ouvido
absoluto" é o nome da capacidade que tem essa única pessoa em
dez mil de identificar notas musicais sem precisar ouvir primeiro
outra nota conhecida como comparação. De onde vem essa capacidade?
Do cérebro, e não dos ouvidos, como o nome sugere. A região na
superfície do cérebro que processa os sons da música é maior em
músicos do que em outras pessoas, e especialmente grande em músicos
com ouvido absoluto. Isso sugere que a capacidade de identificar
notas musicais depende da "quantidade" de cérebro
disponível para "ouvir" a música que entra pelos ouvidos.
Mas
por que só algumas pessoas têm ouvido absoluto? Há, ao menos, três
possibilidades -- e talvez a explicação, no final, seja uma mistura
das três. Primeiro, a genética parece ajudar: pessoas com ouvido
absoluto costumam ter parentes com a mesma habilidade (do mesmo modo,
a "surdez musical", ou incapacidade de detectar uma nota
desafinada, também parece ser genética!).
A
segunda possibilidade é que ouvido absoluto se adquire com a
prática. Seria uma questão de treino, mesmo: você ouve e
identifica notas musicais tantas e tantas vezes que seu cérebro
acaba guardando uma "memória" permanente do som de cada
nota associada ao seu nome. Com essa memória guardada lá dentro da
cabeça, deixa de ser necessário comparar uma nota a outra que você
sabe que é o lá, por exemplo, para identificá-la.
Quanto
à terceira possibilidade… pasme: é possível que todo mundo
nasça com ouvido absoluto e acabe perdendo essa habilidade, se ela
não for mantida ou desenvolvida com a música ou pelo aprendizado de
línguas, como o chinês, onde o significado das palavras depende do
seu "som musical" preciso. Quem sabe, então, você já
teve ouvido absoluto e nem sabia?
Ciência
Hoje das Crianças 138, agosto 2003
Suzana Herculano-Houzel,
Departamento de Anatomia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Suzana Herculano-Houzel,
Departamento de Anatomia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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