segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

De onde surge o primeiro nêutron que dá origem à reação em cadeia da bomba atômica?


A bomba atômica baseada na fissão nuclear usa o mecanismo da quebra em cadeia dos núcleos de certos elementos químicos, provocada pelo choque de um nêutron vindo de fora. Em geral, os elementos ‘fissionáveis’ emitem alguns nêutrons nos instante da fissão, e se a concentração desses elementos for suficientemente alta, os nêutrons emitidos pelos primeiros núcleos ‘quebrados’ causarão a fissão de outros átomos e a emissão de mais nêutrons, e assim por diante, iniciando um processo em cadeia. Isso não ocorrerá, porém, se a concentração de elementos fissionáveis for baixa; os nêutrons emitidos nas primeiras fissões não provocarão outras de maneira eficiente, impedindo a reação em cadeia.
Portanto, para que ocorra uma explosão nuclear, é necessária, em primeiro lugar, uma concentração suficiente de matéria fissionável (urânio ou plutônio, elementos com grande número de prótons e nêutrons em seu núcleo) – é a chamada ‘densidade crítica’. No caso de uma bomba, essa concentração deve ficar acima da densidade crítica. Isso é obtido pela detonação de algum material explosivo em volta da matéria fissionável. A onda de choque vinda de todos os lados comprime essa matéria (ou seja, provoca sua implosão), resultando em um estado de alta concentração, onde a densidade estará acima do valor crítico.
Atingir o estado de alta concentração da matéria fissionável, porém, não basta para desencadear a fissão. Para isso, é necessário injetar os primeiros nêutrons, que devem ser criados por outros meios – algo que não é muito difícil. Os núcleos atômicos são formados por prótons e nêutrons e, quando dois núcleos colidem, essas partículas podem ser rearranjadas para compor outros, emitindo os nêutrons que sobram. Embora a probabilidade seja pequena, podem existir nêutrons até na atmosfera, devido à colisão de raios cósmicos com núcleos de elementos presentes no ar. No caso de uma bomba atômica, porém, é preciso gerar uma quantidade suficiente de nêutrons exatamente no instante em que ocorre a implosão da matéria fissionável para obter maior eficiência na explosão.
Nas bombas atômicas da época da Segunda Guerra Mundial eram usados, para produzir nêutrons, os elementos polônios (Po-210) e berílio (Be-9). O polônio emite uma partícula alfa que bombardeia o berílio e é absorvida por ele, provocando a emissão de nêutrons. Para que esse mecanismos atue como um gatilho para a bomba, é preciso isolar o polônio e o berílio (colocando entre eles material que absorve a partícula alfa, como uma folha de ouro) e, em determinado instante, retirar essa separação.
O método mais moderno usa um pequeno acelerador de íons para gerar um pulso de nêutrons de forma controlada. De início, cria-se uma fonte de íons de deutério (átomos de hidrogênio com um nêutron, carregados eletricamente) e estes são acelerados – aplicando-se alta tensão – dentro de um tubo de vácuo em direção a um alvo de metal contento trítio (átomo de hidrogênio com dois nêutrons). A tensão aplicada aos íons de deutério faz com que eles colidam com o alvo, pois a energia é superior à necessária para vencer a força repulsiva entre o dêuteron (núcleo do deutério) e o trítio. Ao se tocarem, os dois núcleos se fundem e emitem um nêutron com energia de cerca de 14 milhões de elétrons-volts (milhões de vezes maior que em reações químicas usuais). Esse nêutron é capaz de desencadear a fissão do urânio e do plutônio, desde que a concentração destes seja suficiente. Esse método permite sincronizar com precisão o gatilho da bomba e a implosão do material fissionável, uma dificuldade do método usado nas primeiras bombas.
Takeshi Kodama, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ciência Hoje, v. 39, n. 231.

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