Não, trata-se
de conceitos bem distintos. Segundo a visão aristotélica do mundo, que perdurou
por dois mil anos, o universo consistia de 10 esferas concêntricas em torno da
Terra. Os elementos terra, água, ar e fogo compunham as três esferas terrestres,
delimitadas pela esfera lunar. As esferas além da Lua, imutáveis, consistiam do
quinto elemento, o éter. Este seria uma substância passiva, sempre em repouso.
O conceito de
éter reapareceu no século 19 como o meio onipresente no qual se propagam as
ondas luminosas. A relatividade especial, de 1905, idealizada pelo físico
alemão Albert Einstein (1879-1955) – amparada pelo resultado negativo do famoso
experimento feito em 1887 pelos norte-americanos Albert Michelson (1852-1931) e
Edward Morley (1838-1923) – eliminou o conceito de éter do arcabouço conceitual
da física moderna.
Hoje, o
chamado Modelo Padrão das Interações Fundamentais – teoria com a qual os
físicos explicam como a matéria é formada e quais as forças que existem na
natureza – inclui o bóson de Higgs, que, no caso, serve para ‘separar’ – ou
quebrar a simetria, como se diz na física – a força eletromagnética (a
responsável pelo atrito, por exemplo) da força fraca (a que atua em certos
tipos de radioatividade). As outras duas forças da natureza são a gravitacional
e a forte – esta última, como a fraca, só age nos domínios do núcleo atômico.
Cada uma dessas forças é ‘carregada’ (ou transmitida) por uma ou mais
partículas, os chamados bósons. Exemplos: Fótons (eletromagnética), fraca (W+,
W- e Z0), glúons (forte) e o teorizado (mas ainda não detectado) gráviton
(gravitacional).
Todos esses
bósons têm massa nula, com exceção dos da força fraca. E isso era um mistério
até a década de 1960. O bóson de Higgs surgiu justamente em um contexto teórico
para ser o responsável por conferir a propriedade massa aos W+, W- e o Z0. Além
disso, o bóson de Higgs é também o responsável por ‘dar’ massa às outras
partículas, como elétrons, neutrinos, quarks etc.
Assim, éter
aristotélico e bóson de Higgs dificilmente podem ser interpretados de forma
semelhante. Os dois conceitos se desenvolveram em contextos históricos
totalmente distintos, no interior de modelos da realidade completamente
diversos. E, mesmo no interior de cada modelo, eles têm funções diferentes. (João de Mello Neto, Instituto de Física, Universidade Federal do
Rio de Janeiro).
Revista Ciência Hoje, Novembro de 2012